O Concílio Vaticano II (1962-1965) afirmou que o Povo de Deus participa da missão de Cristo desde o batismo, cabendo a cada discípulo a tarefa de propagar a fé (v. Lumen Gentium, 17; Ad Gentes, 23). Ao ser enviado, o cristão entra na vida e na missão de Jesus que “se despojou, tomando a forma de servo” (Fl 2,7; v. Ad Gentes, 24).
Por outro lado, costuma-se falar de serviço voluntário na Igreja. Será que podemos chamar de voluntariado a tarefa pastoral que as pessoas assumem na comunidade de fé?
Tenho pensado sobre isso há algum tempo. Por isso gostaria de partilhar minha reflexão sobre o assunto.
Ser voluntário(a):
Registra o Dicionário Aurélio que voluntário é quem age espontaneamente, a partir da vontade própria, sem coação. Logo percebemos a relação entre voluntariado e vontade. O termo vontade é definido de várias maneiras. Entre elas, destacamos o fato de ser a vontade uma aspiração, um desejo, anseio, uma decisão, determinação.
Além disso, vontade é considerada como a capacidade de escolha, de decisão; um capricho, uma fantasia; ou ainda: empenho, interesse, zelo; disposição de espírito, espontânea ou compulsiva.
A pessoa voluntária pode ser caracterizada assim: quem decide, espontaneamente, fazer alguma coisa para realizar sua vontade de servir com empenho e interesse. Oferece-se para realizar uma tarefa de acordo com sua disponibilidade. Escolhe o que quer fazer, quando quer fazer e, muitas vezes, como quer fazer. Quem é voluntário faz o que pode, quando pode.
O serviço voluntário não é ruim, mas não parece ser o termo adequado para expressar a realidade do serviço pastoral. Não é assim em nossas comunidades paroquiais? Quando as pessoas realizam sua função na comunidade como voluntariado, fazem o que podem, como podem, quando podem, de acordo com sua vontade.
Mas, se assumem como missão o que têm para fazer, dedicam-se à coordenação, à catequese, à ação pastoral como resposta à vocação à qual Deus as chamou. E assim, com esta consciência de terem sido chamadas e enviadas por Deus, realizam o que podem, como podem, quando podem como compromisso de amor.
Ser missionário(a):
A missão tem sua origem na vocação. Nos relatos bíblicos de vocação, a missão, isto é, a tarefa que Deus quer realizar através da pessoa que ele chamou e escolheu, sempre ocupa o lugar central na narrativa (Abraão; Moisés; Samuel; Isaías; Jeremias; Maria). Podemos, então, dizer que toda vocação é para a missão. A missão é testemunho de caridade, presença silenciosa que se faz solidariedade, serviço, diálogo, palavra franca, exemplo de vida e até martírio: ”O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida...” (Mc 10,45.)
Por isso, é importante revalorizar a vocação batismal. Ela nos lembra que somos todos membros do corpo de Cristo, onde cada pessoa tem sua função (ver 1Cor 12,12-27; Rm 12,3-8). A redescoberta da vocação batismal na Igreja ajuda-nos a perceber que todas as pessoas batizadas são chamadas por Deus e enviadas em missão. A vocação, enquanto resposta ao chamamento divino, comporta o compromisso de contribuir para a transformação do mundo, ajudando a construir o amor, a justiça e a paz.
O missionário sabe que foi chamado por Deus para ser presença de amor e serviço solidário. Por isso, faz o que Deus lhe confia, quando Deus determina e como Deus espera. Não realiza a missão para se sentir bem, ser feliz, mas para que as pessoas que serve sintam-se bem e sejam felizes. Quem assume sua tarefa como missão realiza a vocação de servir à humanidade. Não faz porque deseja poder, fama, sucesso, status, mas porque ama.
De fato, somente o amor é a motivação que pode transformar nosso modo de encarar a atividade missionária que exercemos na Igreja e na sociedade. O missionário se preocupa em aprender, em se preparar bem para exercer sua missão, a fim de corresponder à vocação, realizando a tarefa com qualidade. Além disso, sabe que é enviado por Deus e pertence à comunidade eclesial, o corpo de Cristo ao qual serve.
Conseqüências pastorais:
O discípulo missionário, de acordo com o Documento de Aparecida, é alguém que se faz próximo principalmente de quem sofre (DAp, 135); que é parecido com o mestre Jesus (136); abraça o plano de amor de Jesus (137); assume o mandamento do amor (138); vive o estilo de vida de Jesus (139); compartilha o destino de Jesus (140); serve à vida plena (DAp, cap. VII); promove a dignidade humana (cap. VIII); compartilha a experiência do acontecimento do encontro com Cristo (145); torna visível o amor misericordioso do Pai, especialmente para com os pobres e pecadores (147); caminha para a santidade (148).
Esta é a missão que recebemos para manifestar o amor gratuito de Deus por nós. Em resposta ao chamado do Senhor, fazemos missão, isto é, partilhamos a alegria de ter encontrado o tesouro que dá sentido à nossa vida: “Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração”. (Mt 6,21.)
Creio ser importante rever o uso da palavra ‘voluntário’ como a usamos na Igreja, a fim de evitar mal-entendidos. Isto traria benefícios para o serviço pastoral, que seria realizado com mais qualidade e empenho por todas as pessoas batizadas, com a consciência de que se trata de uma missão dada por Deus. Por isso, não pode depender de nossa vontade, de nossa decisão, de nosso humor.
Parece que, enquanto em nossas comunidades as pessoas não assumirem o serviço pastoral como missão, chamado de Deus, as dificuldades continuarão, pois a ação pastoral não passará de fruto da vontade. E a vontade é caprichosa, isto é, depende da nossa condição emocional, da disposição de espírito em que nos encontramos.
A consciência da missão, contudo, gera compromisso e não se deixa conduzir ao sabor da vontade, mas é motivada pela resposta de amor ao Deus que chama a participar de sua missão redentora no mundo e nos envia a cuidar do outro: “De graça recebestes, de graça deveis dar”. (Mt 10,8.)
Fonte: O Lutador - www.catolicanet.org.br
Local:Belo Horizonte
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